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Farmácia Homeopática Bento Mure

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Coisas que Estragam o ar (1792)

  Não pode ser algo indiferente àqueles dos meus leitores que desejam gozar uma vida longa e saudável se o ar dos seus aposentos possui o grau necessário de pureza ou não.

 

  Há muitas coisas familiares que tornam o ar que nós respiramos mais ou menos impróprio para a manutenção da vida; assim, os meus leitores devem ouvir as advertências de um amigo.

Flores são um ornamento para um aposento, e se nós nos contentarmos em embelezar um quarto com senão umas poucas de extrema beleza, e muito poucas, por conta do seu perfume, isso não significará muito; é antes digno de louvor que de culpa. Quanto mais refrescamos os nossos sentidos de uma maneira inócua, mais vivazes e fáceis se tornam nossos poderes de pensamento, mais capazes e dispostos para os negócios nós ficamos, e o deleite da visão e do olfato nas flores, o orgulho da encantadora natureza, tem especialmente esse cunho.

 

  Mas um excesso faz mal em todas as coisas, assim igualmente o faz aqui. Um grande buquê de lírios, plantas tuberosas, flores-de-amor, centifólia, jasmim, lilás, e assim por diante, dão um perfume tão forte num pequeno quarto que muitas pessoas sensíveis ocasionalmente desfalecem por causa delas. Isso não depende tão frequentemente da antipatia do sistema nervoso aos tais odores como depende da propriedade injuriante dessas flores com forte aroma de rapidamente estragarem o ar e tornarem-no impróprio para a respiração. Outros escritores já chamaram a atenção para esse fato, de maneira que não necessito me delongar sobre ele, e me contentarei em ter repetido a advertência.

 

  Pessoas que desejam ser muito polidas adoram queimar, no anoitecer, mais velas do que são necessárias; e se elas estão entretendo uma visita, elas acendem candelabros, candeeiros e todos os outros receptáculos para velas que possam possuir, a fim de que as senhoras e cavalheiros, vestidos segundo à moda, possam se ver muito bem. É considerado um espetáculo de feriado capital observar tantas velas queimando de uma vez; isso ofusca os olhos de qualquer um de modo tão brilhante que nós raramente sabemos onde estamos; também custa uma boa soma de dinheiro.

 

  Mas, se virmos todo esse aparato de velas na luz apropriada, perceberemos que elas corrompem o ar de uma maneira muito feia. Considerando que elas são acesas apenas para um número de convidados que devem ser bem festejados, que, sentados em fileiras apertadas, poluem a atmosfera uns aos outros com suas respirações e exalações, em uma palavra, que elas são acesas apenas para festejos e bailes, considerando isso, digo, eu não sei que espécie de discurso cortês eu posso fazer para o meu anfitrião para propositadamente privar-me da pouca quantidade de puro ar de Deus, e, em vez disso, dar-me o do tipo muito pior, em que um animal poderia, com dificuldade, sustentar a vida. Entre quantos ataques de desmaio não irá aquela senhora expressar os seus agradecimentos a ele, depois de liquidado o assunto durante horas em sua toalete, preparando-se para as festividades, na tentativa de diminuir em um terço a capacidade do seu tórax por intermédio de um apetrecho de barbatana, até que, apertada tão fortemente de forma a parecer uma vespa, ela mal consiga inspirar ar suficiente para manter a vida numa atmosfera pura! Saboreie isso quem puder; eu devo dizer, da minha parte, que não tenho desejo algum de ser regalado com tantas velas em um aposento.

 

  Aquele que queira agir sabiamente não irá demorar-se no aposento em que jantou, e onde o vapor da comida quente deteriorou o ar, até que ele tenha sido completamente arejado.

 

  É muito insalubre dormir em quartos onde, como é frequentemente o caso entre as classes mais baixas, há um estoque de frutas verdes. Uma quantidade de flogisto¹ que exala da fruta, na forma de seus odores, logo se aproxima do puro ar atmosférico até a condição de ar flogístico e insalubre.

 

  Quiçá depósitos de outros tipos, onde artigos domésticos e comida dos reinos animal e vegetal são armazenados em quantidade, tais como óleos, velas, toucinho, carne crua, fervida e assada, massas, etc., não são lugares sadios para as pessoas morarem. Dever-se-ia observar que tudo que emite muito cheiro, visivelmente vicia a atmosfera.

 

  Em linho² imundo as excreções da pele estão presentes, e nenhuma pessoa racional se sujeitaria tê-las guardadas ou lavadas em seu quarto por motivos semelhantes, mas também a título de bom gosto.

 

  Ninguém que possa evitar deveria dormir em um aposento em que permanece durante o dia. As camas desprendem muito gradualmente a exalação que receberam daquele que dormiu durante a noite, e continua a viciar ao longo de todo o dia o ar do quarto, muito embora tenha sido completamente arejado de manhã.

 

  Seis relojoeiros ocupados não estragam o ar quase tanto quanto dois trabalhadores engajados em serrar madeira. Eu gostaria, portanto, de aconselhar que as oficinas em fábricas, especialmente onde muito exercício físico é empregado, deveriam ser construídas de preferência muito altas do que muito baixas, antes mais arejadas que muito apertadas, e elas estariam sempre tão limpas e bem situadas caso fossem frequentemente arejadas. É incrível como, em curto tempo, em tais casos, a ar do recinto se torna viciado e impróprio para a respiração. O aspecto miserável, doente e a grande mortalidade dos operários de muitas fábricas dão provas adicionais da minha supérflua proposição.

 

  Trabalhar com lã suja, com tintas a óleo, ou com coisas para as quais carvão em combustão é usado, é, por outras razões, não inócuo.

 

  Mas, mesmo se o ar não fosse alterado em sua composição, ele pode se tornar deletério de outro jeito pela mistura de algo estranho. Tal é especialmente o que ocorre com a umidade.

 

  Reservatórios ligados à aquecedores de quarto, em que a água é mantida quente para uso doméstico, são nesse sentido prejudiciais. Por esse motivo, também, operários que estão engajados em secar coisas molhadas em recintos bastante aquecidos, marceneiros, torneiros, oleiros, encadernadores, etc., estão mais propensos aos inchaços e outras afecções derivadas do relaxamento dos absorventes.

 

  Uma pessoa que, por uma ideia de extrema conveniência quisesse, não obstante a proximidade de uma latrina, manter uma cadeira noturna³ em seu dormitório, deveria ter em mente que a repugnante exalação dela estraga o ar de forma incomum, e torna o quarto de dormir em que nós passamos um terço de nossas vidas (se não for muito espaçoso) um local de permanência muito insalubre. Há, contudo, muitas casas assim mal ajeitadas quanto a não terem latrina alguma, ou onde ela está a uma distância tal de forma a não ser muito acessível de noite.

 

  Se esse for o caso, e não puder se remediado, deveríamos ter um pequeno closet construído de pedra no canto de algum local público próximo ao quarto de dormir que tenha uma boa saída para o lado de fora da casa, e uma porta bem instalada para entrar. Nesse lugar, podemos, sob tais circunstâncias, colocar a cadeira noturna, e levá-la posteriormente para fora, sem temer qualquer viciação do ar ou cheiro ruim.

 

  Não deveríamos permitir que grandes árvores de folhas grossas ficassem junto às janelas de uma casa. Junto com o bloqueio do acesso da luz do dia e do ar puro, suas exalações ao anoitecer e à noite não são muito favoráveis à saúde. Árvores à distância de dez a 12 passos da casa recebem o ar muito mais prontamente, e não se consegue recomendar o bastante, não só por conta de suas aparências bonitas e suas formas agradáveis, como também devido à salubridade de suas exalações de dia. Se tivermos de escolher, devemos ter as janelas de nossos dormitórios voltadas para o oriente, onde a vista está totalmente livre, não interrompida por árvores muito próximas, e não envenenada pela exalação febril de um pântano.

 

  A pobreza tem trazido muitos hábitos nocivos para dentro desse mundo, e um dos piores é aquele onde as pessoas, nos patamares mais baixos da vida, em especial as mulheres, sentam-se sobre uma vasilha cheia de carvão em brasa, a fim de, com isso, livrarem-se da despesa com um aquecedor no inverno. Quanto mais bem fechado está o quarto nessas circunstâncias, e quanto mais o ar externo é excluído, mais perigoso e fatal é esse hábito, pois o ar de dentro através disso logo se tornará um veneno estupefaciente.

 

  Sentimos uma dor de cabeça pressiva, estupefaciente, que parece furar ambas as têmporas, ao mesmo tempo experimentamos uma vontade de vomitar, o que, entretanto, é logo suprimida por um estado comatoso rapidamente crescente, em que caímos ao chão de forma impotente, e em geral morremos sem convulsões.

 

  Quando a pessoa cai, as roupas têm a tendência de pegar fogo pelo carvão em combustão, e, em verdade, incêndios têm amiúde se originado desta maneira, os quais são ainda mais perigosos porque é somente quando explodem francamente que serão observados pelos desconhecidos, porquanto a pessoa que o origina está muito embotada para ser capaz de apagar as primeiras chamas.

 

  Não menos perigoso à vida é o fechamento da válvula nas chaminés de fogões que são aquecidos por fora, enquanto o fogão continua repleto de cinzas incandescentes. Por motivos de economia as pessoas frequentemente gostam de reter o calor no aposento; uma economia que é muito mal orientada. Quanto mais carvões incandescentes há no fogão, e quanto mais forte a válvula é fechada, mais rápido o ar é viciado, exatamente como o é por um braseiro cheio de carvão em brasa ficando solto no aposento, e aí acontecem acidentes tão ruins quanto aqueles acima descritos, e não infrequentemente fatais.

 

  As válvulas nas chaminés de fogões são projetadas unicamente para moderar a corrente de ar para dentro do fogão e a violência do fogo, ou na eventualidade da fuligem na chaminé pegar fogo para prevenir uma conflagração destrutiva ao entupir inteiramente a chaminé. Se esta última situação vier a ocorrer, toda pessoa sensata, tão logo consiga, fechará a válvula, de imediato abrirá as portas e as janelas com o intuito de remover o ar do aposento que havia sido deteriorado pelo fogo confinado.

 

  Nós deveríamos, antes, procurar salvar a floresta usando fogões bem construídos, do que, tapando todo buraco e fresta nas portas e janelas, eliminar todo sopro de ar, como é feito por muitas pessoas de pobres e de moderados recursos. Tais pessoas devem ignorar o valor incalculável do ar, que grudam papel em qualquer fenda e buraco, e inclusive penduram roupas diante de suas portas, e assim retêm todas as exalações insalubres advindas dos poros da pele e dos pulmões em seus pequenos aposentos, de forma a respirar, em vez de vida e saúde, doença e morte. Tenho visto exemplos melancólicos dessa natureza, e temo que meus conselhos tenham alguma dificuldade em penetrar nos porões miseráveis que elas têm escolhido para si mesmas.

 

  Mortalmente pálidas e sem vigor, elas sentem um desconhecido veneno permear todos os seus vasos sanguíneos, elas sentem a saúde ser gradualmente minada, exatamente como a água que escorre de suas janelas apodrece as armações; caquexia, inchaços hidrópicos e consumpções pulmonares levam-nas embora após terem visto seus filhos morrerem ao redor delas de doenças lentas, que definham, as quais elas atribuem principalmente à dentição ou ao feitiço, ou reduzidos pelo raquitismo à condição de aleijados. Onde está o homem compassivo que lhes ensinará algo melhor?

¹ N. T. Bras.: Diz-se do fluido imaginado pelos químicos do séc. XVIII para explicar a combustão.

 

² N. T. Bras.: Entendam-se como roupas usadas por debaixo de outras, em contato direto com a pele.

 

³ N. T. Bras.: cadeira usada no passado, com uma abertura em seu assento para as necessárias evacuações.

Hahnemann - Escritos Menores. Pág. 171. Editora Organon - 2006.

 

Compilado e traduzido por R. E. Dudgeon.

 

Tradução para o português de Tarcizio de Freitas Bazílio.

 

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